A medicina, marcada ao longo da história pelo contato presencial e pela escuta atenta no consultório, atravessa uma das transformações mais expressivas de sua tradição: a incorporação estruturada da tecnologia na prática clínica. No caso da pediatria, esse avanço tem se revelado promissor com a consolidação da telemedicina como método propedêutico complementar à consulta tradicional, oferecendo acesso qualificado, segurança e eficiência.
O marco regulatório estabelecido a partir de 2022, com a Resolução CFM 2.314 e a Leis Federais como a Lei 14.510/22 (Telessaúde) e a Lei 13709/18 (LGPD) trouxeram as bases legais e éticas para a prática da medicina a distância. Essa legislação autoriza o atendimento remoto mediado por tecnologias digitais, define as responsabilidades médicas equivalentes ao atendimento presencial e exige elementos fundamentais como consentimento formal, registro em prontuário e uso de assinatura digital qualificada.
Mas é no contexto da pediatria que a telemedicina tem ganhado contornos específicos e inovadores. Isso porque o cuidado em Pediatria impõe desafios próprios: a necessidade de apoio dos cuidadores, a ausência de autonomia plena da criança, a exigência de ambiente acolhedor e a complexidade na obtenção de sinais clínicos com dispositivos especializados. Com isso, a prática da propedêutica a distância passou a ser adaptada com estratégias visuais e colaborativas. Hoje, é possível realizar uma avaliação remota confiável com o uso de anamnese detalhada.
Elementos-chave da prática:
• Anamnese guiada com apoio dos cuidadores;
• Inspeção detalhada com auxílio da câmera (luz, posição e estabilidade);
• Apoio do ambiente domiciliar e brinquedos lúdicos para manter a criança calma e colaborativa durante o exame;
• Dispositivos digitais específicos: otoscópios, estetoscópios digitais, smartwatches com oxímetro e ECG, entre outros.
Embora o exame físico completo não seja plenamente substituído, as teleconsultas pediátricas têm se mostrado resolutivas, especialmente em casos de seguimento, monitoramento de doenças crônicas e avaliação de sintomas leves.
Segundo levantamento do Conselho Federal de Medicina (CFM), publicado em 2023, o Brasil realizou mais de 7,5 milhões de atendimentos via telemedicina desde a regulação da prática, com crescimento expressivo nas regiões Norte e Nordeste, justamente onde há maiores desafios logísticos e de oferta de especialistas. Na pediatria, esse modelo tem funcionado como ponte entre centros especializados e localidades com infraestrutura limitada, ampliando o acesso à medicina de qualidade.
Outro aspecto fundamental é a segurança dos dados e a ética no relacionamento digital. As plataformas utilizadas devem atender aos requisitos da LGPD e da legislação internacional, como a HIPAA (Health Insurance Portability and Accountability Act), além de garantir prontuários com segurança de dados, privacidade no ambiente virtual e condições apropriadas de conectividade e iluminação.
A prática pediátrica via telemedicina, no entanto, requer um olhar técnico sensível: a relação com a família, a escuta atenta, o uso de linguagem empática e o respeito às limitações do meio digital. Estabelecer limites claros é essencial, evitando o uso da tecnologia em casos de emergência, como convulsões, dificuldade respiratória aguda ou dor abdominal intensa.
A expansão nas áreas de atuação pediátricas é uma realidade, apoiando por exemplo na:
• Neurologia, cardiologia, psiquiatria, endocrinologia, medicina do adolescente e neonatologia e Terapia Intensiva. Exemplos de sucesso incluem:
• teleinterconsultas entre UTIs, com troca de conhecimentos e experiências;
• tele-ecocardiografia fetal;
• pós-operatório remoto de cirurgia pediátrica;
• avaliação ortopédica e urológica;
• teleconsultas em cefaleia, obesidade, TDAH e saúde mental infantil.
O cenário atual da telemedicina pediátrica no Brasil aponta para um modelo de cuidado mais integrado, acessível e resolutivo, sem abdicar dos valores clássicos da medicina. A tecnologia passa a servir não como substituta, mas como ferramenta que amplia a presença do médico na vida das famílias, respeitando a ciência, a ética e a arte de cuidar.
Fontes: Conselho Federal de Medicina (CFM), Resolução 2.314/2022; Lei 14.510ttt/2022; Portal da Transparência da Telemedicina (2023)