O vírus sincicial respiratório (VSR) é a principal causa de infecção do trato respiratório inferior em lactentes jovens, sendo responsável por aproximadamente 80% dos quadros de bronquiolites e até 60% das pneumonias em crianças menores de dois anos. Virtualmente, 100% das crianças experimentam pelo menos um episódio de infecção pelo VSR antes de completarem dois anos de vida. A elevada prevalência da infecção pelo VSR, assim como as características clínicas e imunes da doença em bebês, faz com que aproximadamente uma em cada cinco crianças necessite atendimento médico devido à infecção pelo VSR e que cerca de uma em cada 50 crianças seja hospitalizada ainda no primeiro ano de vida. Estima-se ainda que as infecções do trato respiratório inferior (ITRI) pelo VSR causem entre dois e três milhões de hospitalizações e aproximadamente entre 60.000 a 120.000 mortes em crianças menores de cinco anos anualmente, com a grande carga dos desfechos mais graves concentrada em países de menor renda - 95% dos episódios agudos de ITRI associados ao VSR e mais de 97% das mortes atribuíveis ao VSR em todas as faixas etárias ocorreram em países de baixa e média renda (LMIC), incluindo o Brasil.
Estes dados fazem do VSR a principal causa de mortalidade entre bebês além do período neonatal. Apesar da idade ser o principal fator de risco associado às formas graves, a presença de determinadas condições também contribui para maiores taxas de hospitalização e óbitos pelo VSR. Entre estas condições, destacam-se a prematuridade, a doença pulmonar crônica da prematuridade, doença cardíaca congênita, erros inatos da imunidade, fibrose cística, entre outras.
Apesar de todos os esforços realizados nas últimas décadas na tentativa do desenvolvimento de estratégias terapêuticas, ainda não dispomos de drogas antivirais específicas para combater as infecções pelo VSR.
Até alguns anos atrás, as recomendações de prevenção disponíveis se concentravam em medidas de higiene para redução do risco de transmissão e no uso do palivizumabe, um anticorpo monoclonal indicado apenas para crianças de alto risco, incluindo bebês prematuros e aqueles com doença cardíaca congênita e doença pulmonar crônica da prematuridade.
Recentemente foi aprovada uma vacina para uso em gestantes, com o intuito de, através da transferência de anticorpos maternos intraútero para o feto (imunização passiva), proteger as crianças nos primeiros meses de vida da infecção pelo VSR, especialmente para seus desfechos mais graves.
A vacina para gestantes
Após o reconhecimento de uma estrutura estável da proteína de fusão do VSR (proteína F), em sua conformação pré-fusional, foi possível produzir uma vacina bivalente (contra os genótipos A e B do VSR), baseada nesta fração proteica.
Trata-se de uma vacina inativada, bivalente que demonstrou eficácia e segurança para ser utilizada em gestantes (Abrysvo© - Laboratório Pfizer). O estudo duplo cego, randomizado, pivotal de fase 3 (Maternal Immunization Study for Safety and Efficacy – MATISSE), que possibilitou a aprovação da vacina, incluiu mais de 7.400 gestantes e bebês menores de 6 meses. O estudo foi realizado em diferentes países e a vacina foi administrada em gestantes entre 24 e 36 semanas de idade gestacional. Esse estudo demonstrou:
• Redução significativa de hospitalizações por VSR em bebês menores de 6 meses (eficácia de 82% contra formas graves de VSR nos primeiros 90 dias e 69% nos primeiros 6 meses).
• Boa resposta imune materna com transferência eficiente de anticorpos via placenta.
• Perfil de segurança favorável, semelhante a outras vacinas utilizadas na gravidez (como gripe e coqueluche).
• Embora sem significância estatística, houve um discreto desbalanço no grupo de gestantes que recebeu vacina, de prematuridade e doença hipertensiva gestacional.
Estes sinais de segurança fizeram com que algumas agências regulatórias aprovassem a vacina, num primeiro momento, para gestantes entre 32 a 36 semanas de gestação.
A partir daí, a vacina contra o VSR foi aprovada e está em uso, ou com implementação planejada, em diferentes países, como Estados Unidos (FDA aprovou em 2023), Reino Unido, Canadá, União Europeia (EMA), entre outros.
No Brasil, a Anvisa aprovou a vacina em março de 2024 e, em fevereiro de 2025, o Ministério da Saúde publicou a Portaria SECTICS/MS Nº 14, incorporando a vacina recombinante contra o VSR (tipos A e B) ao Sistema Único de Saúde (SUS) para gestantes, com o objetivo de proteger recém-nascidos contra infecções respiratórias graves, como bronquiolite e pneumonia.
A futura incorporação terá como público-alvo as gestantes cadastradas no pré-natal do SUS, preferencialmente entre a 28ª e 36ª semana de gestação (terceiro trimestre). A previsão de oferta é até agosto de 2025, conforme o prazo de 180 dias estabelecido pelo Decreto nº 7.646/2011. A decisão foi respaldada pela Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias (CONITEC).
Estudos de efetividade (mundo real), demonstrando a experiência de uso em programas públicos da Argentina, Reino Unido e Estados Unidos, têm confirmado os dados de eficácia e segurança dos estudos de licenciamento.
Um estudo publicado no JAMA Network Open analisou 1.026 gestantes vacinadas e 1.947 não vacinadas. Os resultados mostraram que não houve diferença estatisticamente significativa nas taxas de parto prematuro, natimortalidade, peso ao nascer, admissões em UTI neonatal, icterícia, hipoglicemia ou sepse entre os dois grupos. Isso fornece evidências adicionais sobre a segurança da vacina durante a gravidez.
Na Argentina, dados de segurança e efetividade foram recentemente publicados (Estudo BERNI), demonstrando uma efetividade da vacina para prevenção de doenças do trato respiratório baixo (DTRI) hospitalizada em lactentes de 0 a 3 meses de 72,7% (IC 95% 60,0-81,4), DTRI hospitalizada em lactentes de 0 a 6 meses de 68,0% (IC 95% 56,2-76,6) e DTRI grave hospitalizada em lactentes de 0 a 6 meses de 73,9% (IC 95% 53,2-85,4). O estudo não demonstrou aumento no risco de prematuridade entre as gestantes vacinadas.
Por fim, estudos de modelagem em países de baixa e média renda estimam que a vacinação materna com eficácia de 60% e proteção por 5 meses poderiam evitar até 12,5 milhões de casos de VSR, 4 milhões de hospitalizações e até 177.700 mortes em bebês menores de 6 meses entre 2023 e 2035.
Cabe destacar que simultaneamente à aprovação da vacina para o VSR em gestantes, um novo anticorpo monoclonal específico para o VSR, de meia vida estendida, o Nirsevimabe, foi aprovado pela Anvisa, e será também incorporado ao SUS, a princípio para todos os prematuros que não se beneficiarão da vacinação materna, pelo fato de não obterem adequada transferência de anticorpos. Este monoclonal deverá ser administrado preferencialmente logo ao nascer, independente da sazonalidade do VSR. Ambas as estratégias são igualmente eficazes na prevenção das infecções pelo VSR em lactentes no primeiro semestre de vida.
A prevenção em crianças maiores, após um ano de idade, deve ser considerada naquelas que permanecem vulneráveis à doença grave pelo VSR, incluindo as seguintes condições clínicas: doença pulmonar crônica da prematuridade (DPCP); doença cardíaca congênita (DCC) com repercussão hemodinâmica; fibrose cística; doenças neuromusculares; anomalias congênitas das vias aéreas; crianças imunocomprometidas; ou Síndrome de Down.
No momento, tanto a vacina materna quanto o nirsevimabe estão disponíveis somente nos serviços privados de imunização, aguardando a incorporação pelo SUS.
Recomendações da Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm) e da Federação Brasileira de Ginecologia e Obstetrícia (Febrasgo) A Vacina VSR (Abrysvo® - Pfizer) está recomendada para:
• Gestantes a partir de 18 anos de idade (ou a critério médico abaixo dessa idade)
• Uma dose, intramuscular, a partir de 28 semanas de gestação e sem limite de idade gestacional.
• Aplicada a qualquer momento, independente de sazonalidade.
• Repetir em cada gestação.
• Pode ser coadministrada com as outras vacinas de rotina da gestante.
• Como a Vacina VSR (Abrysvo®) é licenciada pela ANVISA de 24 a 36 semanas de gestação, fica a critério médico a recomendação em idades gestacionais entre 24 e 27 semanas.
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