Microbiota é o conjunto de milhões de microrganismos que vive em simbiose conosco, principalmente em nosso trato digestivo. Embora já na década de 50 e 60 houvesse alguns indícios da sua importância para muitas funções humanas, apenas no final da década de 90 e início dos anos 2000, com os estudos de sequenciamento genético e, em 2007, com o Projeto Microbioma Humano, foi possível avançar nos conhecimentos da sua relação com o metabolismo, a imunidade e o papel que desempenha no relacionamento entre o intestino e o cérebro (eixo intestino-cérebro). Essa conexão bidirecional, que é cada vez mais estudada, está sendo apresentada como importante influência no neurodesenvolvimento e um possível fator de explicação ou contribuição para alguns distúrbios neurológicos tardios, como Doença de Alzheimer, Doença de Parkinson e outras.
A comunicação intestino-cérebro se dá por vários canais, como o nervo vago, o sistema circulatório (via sistêmica) e o sistema imunológico (através da ação de citocinas). O nervo vago é uma das principais vias para transmitir informações da microbiota para o sistema nervoso central. O sistema circulatório está envolvido através do carreamento dos neuro-hormônios (serotonina, catecolaminas, dopamina...) que são liberados pelas células neuroendócrinas do intestino e atuam, direta e indiretamente, na modulação do comportamento. A microbiota também participa da hidrólise de diferentes polissacarídeos em ácidos graxos de cadeia-curta, como propionato e butirato. Esses ácidos graxos de cadeia curta produzem os ácidos no intestino e chegam ao hipotálamo, onde regulam os níveis de GABA, neurotransmissor essencial na modulação do comportamento. As ações da microbiota também afetam o eixo hipotálamo- -hipófise-adrenal, regulando a liberação do cortisol. Há estudos que mostram que os níveis altos de Lactobacillus rhamnosus na microbiota correlacionam-se com níveis mais baixos de corticosterona, melhor controle do estresse, menos depressão e menos liberação de citocinas inflamatórias
Estudos longitudinais com crianças demonstram que alterações precoces na microbiota podem se relacionar a desfechos neurocomportamentais, destacando o período do nascimento aos 3 anos como uma janela especialmente sensível, na qual as intervenções podem ser mais eficazes para a construção de uma microbiota saudável. Aproveitar o poderoso eixo intestino-cérebro durante essa janela crítica do esenvolvimento tem sido apontado de grande importância sobre a conexão micróbio-humano e o cérebro em desenvolvimento, proporcionando oportunidades para prevenir, em vez de tratar, transtornos do neurodesenvolvimento e doenças neuropsiquiátricas.
Os primeiros anos de vida são um período-chave para o desenvolvimento da microbiota intestinal. No primeiro ano de vida, as bactérias colonizam o trato gastrointestinal, estabelecem-se e proliferam durante a chamada “fase de desenvolvimento”. Nos 15 meses seguintes, a microbiota intestinal experimenta uma “fase de transição”, na qual algumas bactérias presentes até então, desaparecem a favor de outras espécies. Finalmente, a partir dos 3 anos, a microbiota das crianças “estabiliza” sofrendo mudanças ao longo da vida, mas a base está estabelecida.
O desenvolvimento da microbiota na primeira infância ocorre de maneira dinâmica e é influenciado por diversos fatores. Identificar essas influências demonstra a importância do pediatra na saúde futura, principalmente se considerarmos o papel crucial que o microbioma exerce não apenas sobre o neurodesenvolvimento, mas sobre o metabolismo e o desenvolvimento do sistema imunológico da criança. Diferentes fatores se associam às diferentes fases de formação da microbiota, apontando para as intervenções que podem ter efeitos sobre a formação de uma microbiota mais saudável:
1. Colonização inicial (Nascimento)
2. Influência da alimentação (Primeiros meses)
3. Diversificação com a introdução alimentar (6 meses em diante)
4. Maturação da microbiota (Até 3 anos)
5. Estabilização da microbiota (3-5 anos)
Depreende-se destas fases a importância da Puericultura na promoção de uma microbiota saudável. O pediatra deve atuar de forma abrangente: promovendo o parto vaginal, incentivando o aleitamento materno, orientando a introdução alimentar e estimulando o uso de alimentos ricos em fibras, evitando antibioticoterapia desnecessária e estimulando o contato com a natureza e animais.
Embora existam muitas evidências que apoiam a relação entre a microbiota e o sistema nervoso central, seu papel no neurodesenvolvimento e na patogênese de algumas das neurodoenças mais prevalentes ainda precisa ser melhor compreendido. O uso de probióticos, por exemplo, pode vir a constituir uma importante ferramenta terapêutica. A resposta para muitas dessas questões virá de ensaios clínicos, aos quais a comunidade científica tem se dedicado com entusiasmo, especialmente com o estudo do eixo intestino-cérebro durante a janela crítica do desenvolvimento cerebral – período em que o microbioma é mais dinâmico e, portanto, com maior potencial de responder às intervenções de prevenção e promoção da puericultura.
Referências bibliográficas
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