Entrevista com o Acadêmico

A trajetória do acadêmico Sérgio Augusto Cabral: conquistas e desafios da Pediatria no Brasil

Ao longo de décadas, Sérgio Augusto Cabral marcou sua carreira pela dedicação à assistência, ao ensino e à liderança em instituições nacionais e internacionais na área da Pediatria. O acadêmico, ocupante da cadeira nº 5 da Academia Brasileira de Pediatria (ABP), atuou em serviços de Terapia Intensiva Pediátrica e Neonatal, conciliando a prática clínica com a formação de novos médicos. Sua gestão à frente da Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP) e sua presidência na International Pediatric Association (IPA) consolidaram a presença da Pediatria brasileira no cenário mundial. 

Em entrevista ao Boletim da ABP, o acadêmico compartilha reflexões sobre conquistas e caminhos para fortalecer a especialidade e a saúde de crianças e adolescentes no país.

  1. O senhor conciliou, ao longo da vida, a clínica pediátrica com a formação de novos médicos. Como foi equilibrar essas duas áreas e o que mais lhe marcou nesse papel de formador de pediatras?

O meu trabalho nos hospitais, em serviços de Terapia Intensiva Pediátrica e Neonatal públicos e privados, no Rio de Janeiro, assim como minha atuação no consultório, sempre foram os pontos de partida para me direcionar em todas as escolhas. Neste contato com os colegas pediatras, com destaque para toda uma vida dedicada ao Hospital do Servidores do Estado (HSE), onde me aposentei do Ministério da Saúde, assim como a assistência às crianças e suas famílias, consolidaram a minha história como professor e todo o envolvimento com a formação de jovens médicos, durante minha carreira universitária. 

  1. O senhor passou por hospitais, universidades e centros de estudos de grande relevância. Que aprendizados essas experiências trouxeram e como contribuíram para sua visão sobre a pediatria no Brasil?

Por acumular uma experiência importante de assistência pediátrica e na educação médica, além do privilégio de ter convivido com pediatras de todas as regiões do país, por conta da minha atuação durante anos na SBP, o maior aprendizado que essas experiências me trouxeram foi o de acreditar no grande valor da Pediatria brasileira, apesar de muitas dificuldades ao longo de sua história, para superarmos os maiores desafios na situação de crianças e adolescentes. Também por causa disso, tive oportunidades de integrar mais a Pediatria brasileira ao cenário internacional, enquanto participei de diretorias da Associação Internacional de Pediatria (IPA).

  1. Na SOPERJ e na SBP, o senhor ocupou cargos de destaque até chegar à presidência da Sociedade Brasileira de Pediatria. Quais foram os principais desafios de gestão naquele período e quais conquistas mais o orgulham?

Os maiores desafios sempre estiveram relacionados às grandes desigualdades sociais e na oferta de serviços especializados, em relação à situação de saúde de crianças brasileiras e suas necessidades em assistência médica pediátrica. Acredito que ainda hoje estão entre os maiores desafios. Nós temos importantes centros de referência especializados e centros de pesquisa em Pediatria. Entretanto, o acesso a estes grupos não está disponível para grande parte de nossa população que utiliza o nosso sistema público de saúde.

No caso da SOPERJ, nossa maior conquista foi consolidar a força de uma entidade estadual, passado o longo período da existência da SBP, quando o Rio de Janeiro era a capital federal.  A SOPERJ, em comparação com outras filiadas da SBP, é relativamente mais jovem, exatamente porque a SBP tinha sua sede e muitas ações no RJ. Hoje, a SOPERJ já está estabelecida como uma das entidades mais importantes no conjunto de filiadas da SBP.  E a grande conquista da SBP foi o seu fortalecimento contínuo como uma das mais importantes entidades médicas do Brasil, assim como a descentralização de suas atividades para os Estados, o que iniciou antes do período de nossa gestão, mas foi um dos nossos objetivos mais importantes, no final dos anos 90.

Mas acho que conquistas que também importam muito foram os avanços nas condições de morbimortalidade de crianças, principalmente nas últimas duas décadas do século XX, com importante diminuição da mortalidade infantil por doenças evitáveis, como exemplo aqueles óbitos que foram prevenidos com o avanço de nossas coberturas vacinais, o que hoje voltou a nos preocupar.

  1. Qual foi a importância de sua participação na IPA?

Ainda durante a participação em gestões da SBP, iniciei esta participação na IPA. Como eu disse, isso foi muito importante para afirmar a presença da Pediatria brasileira entre as principais entidades especializadas do mundo. Acabei fazendo parte de diretorias e cheguei à presidência. Fui eleito para presidência futura da International Pediatric Association (IPA) em 2007, durante o Congresso Mundial de Pediatria em Atenas, na Grécia. Iniciei meu mandato, como o primeiro latino-americano neste cargo, em outubro de 2010, terminando em agosto de 2013, mas permaneci na Diretoria da IPA até agosto de 2016. Acho que este período representou um reconhecimento da importância do Brasil e da SBP no cenário internacional.

  1. Na sua visão, qual é a importância da Academia Brasileira de Pediatria hoje, e de que forma ela pode contribuir para preservar a memória da especialidade e inspirar o futuro da pediatria no país?

A ABP foi idealizada na SBP, e iniciou suas atividades como um Conselho Acadêmico, pensando-se em manter uma contribuição científica de lideranças da Pediatria, mesmo depois de não mais estarem incluídos nos grupos executivos da entidade, e como espaço de discussões teóricas ou proposições relevantes para a saúde de crianças e adolescentes. Pediatras com grande experiência assistencial, em pesquisa ou políticas públicas que construíram a nossa história, têm confirmado essa excelência nos objetivos da ABP.

  1. Olhando hoje para sua trajetória como clínico, professor, gestor e líder associativo, que mensagem o senhor gostaria de deixar às novas gerações de pediatras e acadêmicos da ABP?

A SBP e ABP devem estar cada vez mais próximas como exemplos para que os mais jovens mantenham o interesse em atuar nesta área que tanto nos gratifica como médicos e é tão importante para a sociedade em geral, sendo essencial para a promoção da saúde de crianças e adolescentes no Brasil e a valorização da Pediatria entre todas as especialidades.