Histórias da Pediatria

Conheça o Instituto Nacional de Saúde da Mulher, da Criança e do Adolescente Fernandes Figueira – IFF/FIOCRUZ

Nas palavras de Nísia Trindade Lima, Ministra da Saúde por ocasião do centenário do Instituto Nacional de Saúde da Mulher, da Criança e do Adolescente Fernandes Figueira – IFF/FIOCRUZ, a trajetória do IFF representa “um importante capítulo sobre assistência, a pesquisa e a educação em saúde, com foco nas mulheres, crianças e adolescentes, e sua importância para a consolidação do SUS em nosso país.”

O IFF chega, em 2025, aos seus 101 anos reafirmando um papel nacional que corresponde a sua origem e a sua vocação nos campos de proposição de modelos de cuidado, planejamento e gestão, atenção, ensino, pesquisa e inovação com foco na saúde de mulheres, crianças e adolescentes no Brasil. Essa trajetória está detalhada nos dois volumes da obra “100 anos de cuidados, ensino, pesquisa e inovação” lançada em 2024, sob a coordenação de Larissa Velasquez de Souza e Luiz Antonio Teixeira.

Nessa cuidadosa pesquisa histórica encontramos registros relevantes sobre um caminho institucional de décadas que, em perspectiva contemporânea, culmina com a definição, em 2010, do IFF como Instituto Nacional para atuar como órgão auxiliar do Ministério da Saúde no desenvolvimento, na coordenação e na avaliação das ações integradas para a saúde da mulher, da criança e do adolescente no Brasil (Portaria 4159 de 21/12/2010).

A história do IFF também se entrelaça com a história da Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP), cujo fundador, primeiro presidente e presidente perpétuo foi Antonio Fernandes Figueira (1863 – 1928). A SBP foi fundada, em 1910, nas dependências da Policlínica das Crianças Pobres da Santa Casa de Misericórdia do Rio de Janeiro, da qual ele era diretor desde 1909. Olympio Olinto de Oliveira (1866 – 1956), pediatra gaúcho e sucessor de Fernandes Figueira na Inspetoria de Higiene Infantil – IHI, foi também um dos presidentes da SBP.

Ao recém-criado Departamento Nacional de Saúde Pública – DNSP (1920) foi vinculada uma Inspetoria, sob direção de Fernandes Figueira, cuja estruturação e funcionamento já haviam sido planejados e apresentados por ele no Congresso Nacional de Assistência Pública e Privada (1908). O Departamento, inicialmente dirigido por Carlos Chagas, ampliou a ação do Estado e sob sua responsabilidade estavam os serviços de higiene do então Distrito Federal e demais ações da saúde pública brasileira. A IHI foi instalada como uma nova Inspetoria e como resposta a demandas de pediatras da época e ao apelo social para a inclusão da infância na agenda das políticas públicas de saúde.

São inovações trazidas pela Inspetoria, nesse período, os conceitos de prevenção, educação sanitária, educação das mães para amamentação e para os demais cuidados infantis, estímulo às creches próximas aos locais de trabalho materno e cuidados com as mulheres, dentre outras. Uma proposição baseada na compreensão de seu diretor de que a saúde da criança dependia de práticas de puericultura orientadas pelo conhecimento científico que se consolidava. Esse ideário avançava para além do que até então era acessível para crianças pobres.

A ausência de um hospital público para crianças na cidade do Rio de Janeiro foi superada com a criação, em 1924, do Hospital-Abrigo Arthur Bernardes no edifício do antigo Hotel Sete de Setembro, inaugurado em 1922 para a celebração do centenário da Independência do Brasil.

Os princípios norteadores para o primeiro hospital de crianças do Distrito Federal seguiam a visão de Fernandes Figueira, pautada pela necessidade da prevenção pela educação higiênica das mães e avançando para a lógica até então vigente de atuar em problemas já existentes. Segundo ele próprio:

“O Abrigo Hospital Arthur Bernardes, de acordo com seu regulamento, é uma dependência da Inspetoria de Higiene Infantil que tem por escopo fazer educação sanitária e complementar os trabalhos dos consultórios de higiene infantil, por meio do tratamento das crianças doentes e da assistência às senhoras grávidas internadas no sétimo mês em diante.

Realiza essa educação no contato diário das mães que acompanham os filhos com os médicos e enfermeiras e na manutenção de uma escola das futuras mães, onde moças maiores de 14 anos aprendem praticamente as melhores regras sobre alimentação, vestuário e hábitos das crianças sãs e doentes.

No sanatório para gestantes desse abrigo as mulheres internadas estão diariamente debaixo de instrução prática e teórica, havendo mesmo classes regulares sob os cuidados de uma parteira formada pela nossa faculdade.

A sessão de raios-X e ultravioletas atende às crianças do estabelecimento e as enviadas pelos consultórios e creches.

A farmácia do abrigo-hospital, além do serviço peculiar a este nosocômio, prepara para os consultórios o reduzido número de medicamentos relativo às doenças de pele e da nutrição das crianças neles matriculadas e os medicamentos relativos ao tratamento das mulheres matriculadas no serviço pré-natal” (FIGUEIRA, 1928).

Ao longo das décadas seguintes, o Hospital--Abrigo Arthur Bernardes foi sede de todos os órgãos federais responsáveis pelas políticas públicas materno-infantis no período, vivendo mudanças que responderam à necessidade de ampliação de leitos hospitalares com redução do foco na higiene infantil, sem perder completamente seu papel nesse princípio de origem, como se percebe na manutenção dos cursos de preparação para a maternidade (Escola para Futuras Mães). Em 1941 o então Hospital Arthur Bernardes foi transformado em Instituto Nacional de Puericultura, se mantendo como o responsável pela oferta da maior parte dos cursos de formação para a puericultura e cuidado infantil e órgão fomentador de políticas públicas no campo materno-infantil. É nessa época que se consolidam ações de formação médica, com cursos de especialização denominados Cursos de Aperfeiçoamento e Especialização para Médicos, nas seguintes modalidades: higiene pré-natal e obstetrícia, higiene infantil e dietética, nutrição, clínica pediátrica médica, neuropsiquiatria infantil e higiene mental, cirurgia infantil, organização e administração dos serviços de proteção à maternidade, à infância e à adolescência. 

Vale destacar que, em alinhamento com responsabilidades contemporâneas do IFF, como instituição do governo federal, para o planejamento, implantação e monitoramento nacional das redes de atenção para a saúde materna e infantil, um dos cursos ministrados pelo Instituto era o Curso de Puericultura e Administração voltado para a formação de quadros para atuarem como dirigentes do Departamento Nacional da Criança, que havia sido criado em 1940.

Ainda na formação profissional em saúde, no período 1943 – 1964, foram organizados cursos voltados para mulheres com nível ginasial de escolaridade: treinamento de assistentes sociais, treinamento de enfermeiras, treinamento de auxiliares de puericultura e treinamento de parteiras.

Obras de adequação e ampliação deram lugar a uma maternidade com 30 leitos e aumento do ambulatório, onde eram realizados atendimento em algumas especialidades como clínica médica, pele e sífilis, orientação dietética, tisiologia, coqueluche, doenças infecciosas, otorrinolaringologia e oftalmologia. A reforma também contemplou um laboratório de pesquisa, um serviço de raios X e um laboratório dietético. Nesse período, se verifica também mais um diferencial da instituição: oferta de leite natural, com realização da coleta do leite materno. Para isso o hospital possuía um dos dois aparelhos de ordenha materna existentes no país (o outro estava instalado em Salvador, num consultório da Liga Bahiana contra a Mortalidade Infantil). Este serviço está na gênese do atual Banco de Leite Humano do Instituto Fernandes Figueira e do protagonismo do IFF na formulação de modelos, propostas e diretrizes para a utilização de leite humano no Brasil (Rede Brasileira de Bancos de Leite Humano) e em perspectiva global.

Com Martagão Gesteira à frente da direção do Departamento Nacional da Criança e por ocasião do restabelecimento do Instituto de Puericultura da Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro, o antigo Hospital Arthur Bernardes, entre 1941 e 1946 renomeado como Instituto Nacional de Puericultura, passou a ter o nome com o qual é conhecido até hoje: Instituto Fernandes Figueira. Ao final da década de 50, respondendo por cerca de 120 mil pacientes por ano, o IFF estava entre os maiores hospitais do país e mantinha seu papel nacional como retratado em matéria do Diário de Notícias (10/04/1956):

“O Instituto Fernandes Figueira estende sua ação por todo o território nacional. Dele saem normas e regras para combate às doenças infantis [além disso] mais de trezentas crianças e gestantes são internadas e duzentos meninos e meninas recebem atendimento diário. Maternidade, banco de leite, banco de sangue, ambulatórios, laboratórios de pesquisas, assistência social e outros serviços estão sendo reaparelhados” (Diário de Notícias, 10/04/1956).

As atividades de formação sempre foram importantes para o Instituto Fernandes Figueira, que se destacou nessa função desde sua criação. O Centro de Estudos Olinto de Oliveira, fundado em 1940, recebia em suas reuniões periódicas, especialistas de diversas instituições e campos científicos, constituindo-se em eventos científicos culturais de grande repercussão.

A Residência Médica, iniciada em 1946, teve seu credenciamento oficializado na recém-criada (1977) Comissão Nacional de Residência Médica em 1978, inicialmente com os programas de Pediatria, Cirurgia Pediátrica e Obstetrícia/Ginecologia. Ao longo das décadas seguintes a esses programas iniciais se somaram outros como: Alergia e Imunologia Pediátrica, Infectologia Pediátrica, Medicina Intensiva Pediátrica, Neonatologia, Neurologia Pediátrica; Pneumologia Pediátrica e Genética.

Ainda na modalidade Residência, a Residência de Enfermagem teve início a partir de 1987 nas áreas de Banco de Leite, Controle de Infecção Hospitalar, Neonatologia, Obstetrícia e Pediatria e, a partir de 2010, se inicia a Residência Multiprofissional com foco na Criança Cronicamente Adoecida, contemplando com duas vagas/ ano a Fisioterapia, a Farmácia, a Fonoaudiologia, a Nutrição, a Psicologia, o Serviço Social e a Terapia Ocupacional.

O IFF como unidade da FIOCRUZ

Em 1976 o IFF foi regulamentado como unidade técnico-científica da Fiocruz, caracterizado como centro de pesquisas orientado para saúde pública, no campo materno e infantil. O contexto nacional era marcado por dificuldades políticas em financeiras e alguns desafios iniciais incluíam até mesmo questionamentos sobre a permanência de uma instituição com perfil muito diferente das outras unidades, considerado por muitos como um hospital de assistência.

O fortalecimento do ensino, avançando para a pós-graduação stricto sensu, se mostrava estratégica e necessária e culmina com a implantação da Pós-Graduação em Saúde da Criança, em nível Mestrado. Um curso muito inovador e ousado, voltado para pediatras mas pensado e estruturado a partir da Saúde Coletiva, com projeto pedagógico incluindo epidemiologia, ciências sociais, políticas e planejamento, assim como aspectos históricos do cuidado à saúde materna e infantil. À frente desse importante capítulo da história do IFF estavam Sérgio Arouca, como Presidente da FIOCRUZ, e o Professor Marco Antônio Barbieri, convidado por Arouca para a concepção, implantação e coordenação do primeiro curso de Mestrado do IFF.

Nas décadas seguintes, no contexto da redemocratização do país, da Reforma Sanitária e da criação e expansão do Sistema Único de Saúde, o IFF retoma sua trajetória inicial, reafirma identidade voltada para a formulação de políticas, produção de conhecimento e formação de quadros estratégicos para o cuidado à saúde de crianças, mulheres e adolescentes. Com isso se consolida em sua inserção na FIOCRUZ e, portanto, no Ministério da Saúde, com as seguintes atribuições:

• assessorar o Ministério da Saúde no planejamento, organização, coordenação, supervisão e avaliação de planos, programas, projetos e atividades, em âmbito nacional, relacionados à prevenção, ao diagnóstico e ao tratamento de agravos na área de saúde da mulher, da criança e do adolescente;

• gerar e difundir conhecimento para a implantação de políticas e programas de saúde inerentes as suas atividades, baseados no cenário demográfico e epidemiológico e na melhor evidência científica disponível;

• planejar, coordenar e realizar pesquisa clínica, básica, aplicada, biomédica e em ciências sociais em saúde sobre desenvolvimento, avaliação, incorporação e difusão de tecnologias e serviços no campo da saúde da mulher, da criança e do adolescente;

• formar profissionais para o Sistema Único de Saúde, para qualificação da gestão e atenção à saúde da mulher, da criança e do adolescente; e • coordenar redes colaborativas nacionais e internacionais na área de saúde da mulher, da criança e do adolescente e desenvolver atividades assistenciais de referência no âmbito do Sistema Único de Saúde, de modo integrado ao Sistema Nacional de Inovação em Saúde.

Responder a essas atribuições só é possível porque temos uma instituição que, em 2025, agrega e articula atenção de alta complexidade, ensino, pesquisa e inovação nos campos de atuação do Instituto.

O perfil assistencial do IFF engloba um vasto processo de interação entre saberes profissionais, sendo a assistência multidisciplinar prestada por especialistas nas áreas de obstetrícia, ginecologia e nas seguintes especialidades pediátricas: alergia e imunologia, cardiologia, cirurgia, dermatologia, endoscopia digestiva e respiratória diagnósticas, enfermagem especializada, fisioterapia, fonoaudiologia, genética médica, infectologia, neurocirurgia, neurologia, nutrição, pneumologia, psicologia, serviço social, terapia intensiva pediátrica e neonatal e terapia ocupacional.

Por meio de um modelo de gestão participativa, a equipe multiprofissional especializada e qualificada atua de forma integrada em cinco áreas (Atenção Clínico-cirúrgica à Mulher; Atenção Clínico-cirúrgica à Gestante; Atenção Clínica ao Recém-Nascido; Atenção Clínica à Criança e ao Adolescente; e Atenção Cirúrgica à Criança e ao Adolescente) e em três Centros de Referência (Banco de Leite Humano, Fibrose Cística e Genética Médica).

O mestrado, iniciado na década de 80, se ampliou para Saúde da Criança e da Mulher e na perspectiva multiprofissional, avançando também para o Doutorado. Ainda no campo da Saúde Coletiva, o Mestrado Profissional em Saúde da Criança e da Mulher tem representado uma importante estratégia de formação de quadros estratégicos para o SUS como, por exemplo, no contexto da implantação da Rede Cegonha e do enfrentamento de doenças emergentes como a Zika Congênita. A formação de mestres e doutores em pesquisa clínica e translacional é também alcançada com a Pós-Graduação em Pesquisa Aplicada à Saúde da Mulher e da Criança.

A pesquisa articulada aos programas de pós-graduação e aos diferentes campos de atuação do IFF, vem contribuindo nacional e internacionalmente para a produção de conhecimento em Saúde Coletiva (morbimortalidade materna, perinatal e infantil; situações de saúde relacionadas à cronicidade e deficiências; violência e saúde; gênero e saúde; e violência e saúde) e para a redução das lacunas na Pesquisa Clínica em saúde da mulher, criança e adolescente (saúde perinatal; genética médica; fisiopatologia de doenças em crianças de maior risco; aspectos ambientais, epidemiológicos, clínicos, na promoção da saúde e prevenção da morbimortalidade). Honrando sua história, o IFF trabalha, todos os dias, para o alcance de sua missão: “Promover saúde para mulher, criança e adolescente e fortalecer o Sistema Único de Saúde (SUS)”.