A cada 10 minutos, o Brasil registra um atendimento de adolescente por autoagressão

A cada 10 minutos, pelo menos um caso de autoagressão envolvendo adolescentes com idades de 10 a 19 anos é registrado no Brasil. A informação consta de um levantamento da Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP), elaborado a partir do Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan), base que reúne registros encaminhados pela rede de atenção à saúde e, em alguns municípios, também por escolas e centros de assistência social, conforme protocolos locais.

Divulgado nesta segunda-feira (22), o estudo foi realizado no contexto do Setembro Amarelo, mês internacionalmente dedicado à prevenção do suicídio. Apenas nos últimos dois anos, a média diária chegou a 137 atendimentos nessa faixa etária, incluindo casos de violência autoprovocada e tentativas de suicídio. Segundo os pediatras, os registros do Sinan são compulsórios, isto é, os profissionais que, de algum modo, atendem adolescentes nestas condições, devem obrigatoriamente seguir o fluxo local estabelecido para a notificação.

SUBNOTIFICAÇÃO - No entanto, alertam que os números não representam a totalidade dos casos, pois há grande possibilidade de subnotificação por falhas no preenchimento ou na comunicação das ocorrências, inclusive nos atendimentos da rede privada e em ocorrências em ambiente escolar. Isso significa que a realidade pode ser ainda mais preocupante do que os números oficiais indicam.

O presidente da SBP, dr. Edson Liberal, ressalta que o cenário exige atenção imediata de toda a sociedade. “Muitas vezes, as autoagressões representam um pedido silencioso de ajuda. Diante dos desafios do dia-a-dia, é fundamental que pais, responsáveis e educadores escutem e, sobretudo, acolham os adolescentes. O acompanhamento com o pediatra também tem papel central, já que, nas consultas, ele pode atuar de forma preventiva, identificando sinais de alerta e orientando tanto o adolescente quanto a família”, afirma.

ESTADOS E REGIÕES - Os dados revelam diferenças entre estados e regiões, que acompanham, em grande parte, a densidade populacional. Em números absolutos, o Sudeste concentra quase metade das notificações nacionais (46.918 em 2023 e 2024), puxado por São Paulo, que sozinho responde por 24.937 registros. O Nordeste aparece em segundo lugar (19.022), com destaque para Ceará (4.320) e Pernambuco (4.234), que juntos representam quase metade dos casos da região.

O Sul registra proporção semelhante (19.653), liderado pelo Paraná (8.417). No Centro-Oeste, foram 9.782 notificações, com números expressivos em Goiás (3.428) e no Distrito Federal (3.148). Já o Norte, menos populoso, soma 5.303 ocorrências, sendo o Pará (1.174) e Tocantins (1.183) os principais responsáveis.

CASOS GRAVES E ÓBITOS – Um dos pontos de maior destaque é o número de casos que, pela gravidade, ultrapassaram o atendimento médico inicial e resultaram em internações hospitalares e óbitos. Somente em 2023 e 2024, as notificações enviadas por unidades e serviços públicos de saúde apontaram 3,8 mil hospitalizações de adolescentes por violência autoprovocada, o equivalente a uma média de cinco internações por dia. A maior parte ocorreu entre jovens de 15 a 19 anos (2,7 mil), seguida pelo grupo de 10 a 14 anos (1,1 mil).

Além dos registros de autoagressão e internações, o levantamento da SBP revela que cerca de mil adolescentes, de 10 a 19 anos, perdem a vida por suicídio a cada ano no Brasil. Em 2023, foram 1,1 mil óbitos; em 2022, 1,2 mil, de acordo com dados do Sistema de Informação sobre Mortalidade (SIM). A faixa etária mais afetada é a de 15 a 19 anos, com aproximadamente 2 mil mortes no período, enquanto entre 10 e 14 anos foram pouco mais de 300.

Segundo a dra. Renata Waksman, presidente do Departamento Científico de Prevenção e Enfrentamento das Causas Externas na Infância e Adolescência da SBP, qualquer manifestação de desejo de morrer deve ser encarada com absoluta seriedade. “O suicídio não ocorre sem um histórico de sofrimento psíquico; é a consequência final de um processo de desesperança profunda. Estar atento a mudanças bruscas de comportamento dos jovens é fundamental, pois elas costumam ser os sinais de alerta mais claros”, afirma.

SINAIS DE ALERTA – Os principais indícios um quadro que pode resultar em tentativa de suicídio incluem tristeza ou insatisfação persistentes, abandono de atividades que antes eram prazerosas, episódios de autolesão, envolvimento deliberado em situações de risco e ausência de expectativas ou planos para o futuro. Isto porque a adolescência é um período de intensas mudanças, marcado por busca de identidade, maior sensibilidade a pressões externas e vulnerabilidade emocional.

Conforme destaca a pediatra, tem sido observado um avanço de problemas como ansiedade e depressão entre crianças e adolescentes. “A adolescência é justamente o período de maior desenvolvimento emocional e de formação da identidade. Os jovens têm uma grande necessidade de aceitação social, o que os torna mais vulneráveis. Por ser um período crítico e muitos transtornos começarem antes dos 14 anos, grande parte não seja identificada ou tratada”.

A especialista observa que a saúde mental dos adolescentes sofre influência de múltiplos fatores que se somam no contexto atual. Entre eles estão a sobrecarga das famílias, a organização escolar voltada quase exclusivamente para o conteúdo, a carência de acompanhamento médico contínuo e os novos riscos trazidos pelo ambiente digital.

Os principais fatores de risco para um episódio suicida são a impulsividade e as dificuldades emocionais típicas da adolescência: autoestima baixa,  desesperança, solidão; facilidade de acesso a meios letais, como venenos e armas; e o grande estigma em relação à saúde mental, que dificulta o pedido de ajuda.