A cultura da guerra é a fonte do terrorismo

DIOCLÉCIO CAMPOS JÚNIOR Médico, professor emérito da UnB, ex-presidente da Sociedade Brasileira de Pediatria e representante da SBP no Global Pediatric Education Consortium (Gpec). E-mail: [email protected] Publicação: 15/01/2015 04:00 O progresso pacífico da humanidade pertence ao universo da utopia. Supõe inadiável mudança do modelo de vida, sem a qual a existência da espécie no planeta …

DIOCLÉCIO CAMPOS JÚNIOR
Médico, professor emérito da UnB, ex-presidente da Sociedade Brasileira de Pediatria e representante da SBP no Global Pediatric Education Consortium (Gpec). E-mail: [email protected]

Publicação: 15/01/2015 04:00
guerra-terrorismoO progresso pacífico da humanidade pertence ao universo da utopia. Supõe inadiável mudança do modelo de vida, sem a qual a existência da espécie no planeta estará com os dias contados. As conquistas materiais têm sido as únicas transformações, entendidas, equivocadamente, como avanços que aprimoram o bem-estar do ser humano numa sociedade constituída há milênios.

Melhor padrão de vida, não animal, transcende esse conceito tão simplista, que exclui a riqueza imaterial, qual seja, a consciência oriunda da capacidade mental, resultante do processo de “cerebralização” nascido do evolucionismo das espécies. Sem o sadio e educado cultivo da mente humana, a sociedade da paz permanecerá no âmbito da ficção, de onde nunca saiu.

Metas exclusivamente materialistas, viabilizadas pela inovação tecnológica sem limite, comandam o espetáculo e aperfeiçoam o requinte da crueldade. O interesse econômico grupal, sustentado pelo poder da força bruta, ultrapassa as fronteiras das relações morais e éticas, literalmente varridas da paisagem por ele dominada.

O instinto da competitividade guerreira alimenta ambições destrutivas que se multiplicam mundo afora, desvirtuando o sonho de convivência interpessoal globalizada, respeitosa, sem fronteiras e livre das manobras econômicas feitas para divinizar o lucro a qualquer preço. É o fervor da maldade que não hesita em adotar a rota do extermínio humano para atingir seus nefastos objetivos.

Perpetua-se a cultura bélica em nome dos princípios de segurança e defesa, cuja veracidade é improcedente. Difunde-se a hegemonia da agressividade como estratégia imperialista consagrada ao longo da história. Por isso, a espécie mais selvagem e demolidora do planeta é, sem dúvida, a autodenominada Homo sapiens. Na verdade, ela é, ao contrário, a menos sábia, se considerado o privilégio da consciência que lhe foi presenteada, mas que continua preterida.

A guerra é a síntese de toda a estupidez intelectual que perverte o alcance do virtuoso perfil verdadeiramente humano, tornando-o subordinado, de forma animalesca, às divindades do terror que avassalam o mundo. Muitos dos heróis de que se orgulham as nações foram os guerreiros mais truculentos que derrotaram os menos truculentos de outros povos, escravizando-os até a morte. Não cabe, pois, incluir, na categoria do progresso, nada que se tenha conseguido por meio da lógica beligerante.

Os supostos ganhos, celebrados com vitoriosas conquistas, trazem a marca indelével das sangrentas carnificinas que lhes deram origem. Segundo a teoria de Carl Jung, são penosos arquétipos que se incorporam psicologicamente ao inconsciente coletivo como irremovíveis cicatrizes. É como se fosse o efeito potente e danoso de substância secretada pela guerra que causa as barbáries aparentemente inexplicáveis.

Os atos terroristas, que são crescentes na atualidade, não ocorrem por acaso. Não devem ser analisados apenas pelo impacto emocional do momento em que se produzem. São os graves sintomas da cultura da guerra que sempre assolou a humanidade. As assombrosas imagens do passado, recente ou remoto, precisam ser recapituladas para que se avalie o terrorismo nas múltiplas relações de causa e efeito que lhe são subjacentes.

A violência hedionda gerada pelo belicismo cultural degrada o cenário da sociedade em todas as eras. Exemplos tais como as cruzadas, que invadiam, trucidavam e se apropriavam de tudo; a Santa Inquisição, que torturava e chacinava em nome de Deus; as colonizações, que dizimavam brutalmente os povos nativos, levando-os à extinção; o escravismo, que humilhou, segregou, explorou e matou grande número de gente pobre e negra; o holocausto, que eliminou milhões de judeus, num aviltante intuito de extermínio étnico; as bombas atômicas, lançadas contra Hiroshima e Nagasaki, que abateram mais de 200 mil pessoas; e os constantes bombardeios com os quais são violentados os países que possuem enormes reservas de petróleo confirmam o continuísmo da destruição humana que precisa ser revertido em favor da civilização da paz, da educação para o bem, da substituição da força da arma pela sabedoria da alma.

Está provado que a perversidade do olho por olho, dente por dente não é o caminho para tirar a espécie humana da animalidade que jamais soube superar. Os atos terroristas exteriorizam a barbárie enraizada na cultura da guerra. Não se muda um comportamento milenar se a cultura que lhe dá origem não for mudada. Guerra e paz são incompatíveis.