Palavra dos Diretores
Ricardo Halpern*
A evolução da pediatria no último século nos conduz a uma mudança substancial de paradigma, no que se refere ao atendimento e promoção da saúde da criança e do adolescente. No fim do século XIX, a pediatria começou a dar seus passos em direção a uma ciência individualizada dentro da clínica médica. Os primeiros tratados referem-se à necessidade de conhecer melhor a fisiopatologia das doenças pelo fato das crianças apresentarem algumas condições clínicas peculiares. Considere-se ainda que, nesse período, a mortalidade infantil atingia taxas extremamente altas, o que levava à busca de medidas que pudessem aumentar a sobrevida das crianças.
Simultaneamente à investigação de novas terapêuticas, o conceito de prevenção de doença foi tomando espaço e se materializando. De posse de poderosos instrumentos terapêuticos, a pediatria pôde então desviar o foco do atendimento da doença aguda, baseado no modelo centrado no hospital, para oferecer à população um cuidado estendido à comunidade, fazendo com que, através da prevenção de doenças e medidas para a promoção de saúde, materializadas na puericultura, fossem ampliadas tanto a cobertura como a abrangência desse atendimento. De forma sinérgica, tais medidas reduziram ainda mais a mortalidade infantil, expondo novos problemas, reunidos sob a denominação de “nova morbidade” ou “morbidade escondida. Esse termo foi definido no final dos anos 70 como sendo o conjunto de situações funcionais da criança e de influência do meio ambiente que afetavam a qualidade de vida da criança: aumento da urbanização, violência, mudanças na estrutura familiar e, em algumas áreas específicas, pela diminuição do suprimento alimentar, que vivenciam situações de abuso, maus-tratos, negligência e falhas no desenvolvimento decorrentes da falta de estímulos ou de estímulo inadequado. Para uma melhor abordagem do desenvolvimento humano, se faz necessária outra ótica, que permita uma análise coletiva das variações do desenvolvimento, oferecendo uma perspectiva “ecológica” dos achados encontrados.
Embora com contribuições importantes, os estudos do desenvolvimento da criança têm permanecido sob o domínio da psicologia psiquiatria e da sociologia, com abordagens, na maioria das vezes, de ordem individual. Essa área do conhecimento tem sido “gerenciada” por outras disciplinas e especialidades médicas deixando o pediatra com uma posição limitada na detecção precoce e manejo de situações funcionais do desenvolvimento e comportamento da criança e adolescente. Apesar dos esforços da SBP é ainda limitada a participação efetiva do pediatra nesse temário que corresponde a quase 25% das queixas no consultório pediátrico.
Em um estudo realizado com 1700 pediatras brasileiros foram avaliadas questões relativas ao desenvolvimento da criança, desde conceitos, habilitação para tratar, responsabilidade de tratamento e resolução de vinhetas clínicas, queixas comuns de consultório pediátrico. Na grande maioria dos casos a resposta sobre conceitos e resolução de vinhetas esteve longe de ser satisfatória e em geral os pediatras não se sentiam habilitados para tratar dessas questões e que o tratamento era uma prerrogativa do psicólogo ou psiquiatra. Além disso, foi referido que a carga de trabalho, não permitia ao pediatra tempo necessário para que alguns problemas funcionais pudessem ser abordados.
Na maioria dos países desenvolvidos a percepção da necessidade de uma abordagem robusta nessa área já ocorre há bastante tempo. A Section of Developmental and behavioral Pediatrics da Academia America de Pediatria existe há cinqüenta anos. Além disso, A Society for Developmental and Behavioral Pediatrics foi formada em 1982 (inicialmente chamado de Sociedade de Pediatria do Comportamento), pelos onze diretores de programas de universidades financiado pela Fundação Grant para propiciar a formação de residentes em pediatria neste domínio. Um objetivo adicional foi a de incentivar a investigação no campo do desenvolvimento e comportamento. A partir disso a desde 1985, a Sociedade criou o Journal of Developmental and Behavioral Pediatrics que continua até hoje sendo uma das publicações mais reconhecidas nessa área. Em 1999, o campo de desenvolvimento-Comportamental Pediatria foi aprovado como uma subespecialidade pelo American Board, criando a partir daí um exame para a certificação de subespecialidade em Developmental and Behavioral Pediatrics. Atuamente existem mais de três dezenas de programas credenciados.
Retomar essa área de conhecimento para o pediatra é um resgate histórico! O Departamento de Saúde Mental desde a sua criação vem prestando inestimável serviço à SBP e à pediatria brasileira. Esse é um fato inquestionável! Por outro lado avaliando sua estrutura e composição ficava um pouco distante da linguagem que o pediatra precisava ouvir e aplicar na sua pratica diária! As questões de promoção de saúde mental muitas vezes foram vistas pelo pediatra como sendo um atributo de manejo de psiquiatras e psicanalistas, e por isso, rapidamente repassadas adiante do seu consultório. A mudança do nome do Departamento de Saúde Mental para Departamento de Pediatria do Desenvolvimento e Comportamento aproxima o pediatra dessas questões tão prevalentes do cotidiano da clínica. Traz para esse departamento o compromisso e a responsabilidade de instrumentalizar o pediatra em diagnóstico precoce dos atrasos de desenvolvimento e comportamento, trabalharem com instrumentos de triagem, e fazer a primeira abordagem terapêutica dessas situações.
Cabe citar um colega pediatra indiano Vibha Krishnamurthy que escreveu naDevelopmental and Behavioral Pediatrics online, publicação da AAP equivalente ao nosso SBP Ciência: “Na semana passada eu conversei com uma mãe que acabara de saber que seu filho tinha autismo. Ele tem 6 anos e ela estava em desespero: quantos anos ela tinha perdido à procura de um diagnóstico. Por mais tentador que seja atribuir todos os atrasos de diagnóstico para as famílias que procuram ajuda tardia, a consciência do médico em relação ao desenvolvimento infantil e deficiência também desempenha um papel importante.
A maioria das crianças na Índia não têm acesso aos pediatras. Quando os pais não conseguem navegar pelo sistema tortuoso vila dos trabalhadores de saúde ou médicos de família para uma consulta pediátrica, que, naturalmente, esperar que a pediatra tem as habilidades especiais para fornecer um diagnóstico final. Infelizmente, para distúrbios de desenvolvimento e comportamental, isto não é freqüentemente o caso. Não houve um aumento correspondente de conhecimento durante o treinamento nas questões de desenvolvimento comportamental e transtornos.
Um pediatra ocupado em Mumbai vê 100 crianças por dia, quase todos eles estão bem doentes. A clínica é quente e lotada e toda mãe quer atenção do médico. Se uma desses cem mães também está preocupado porque a filha não está falando ainda, ou seu filho age de forma diferente do que seu primo da mesma idade, quais são as chances que ela terá de trazer a consulta ,cercada por bebês em perigo óbvio? E quais são as chances de que o médico vai ter tempo ou energia para até mesmo ouvi-la, muito menos fazer uma avaliação correta?” O relato é dramático, porém real e não muito longe da realidade em muitos lugares do nosso país!
A doutrina pediátrica tem no seu eixo central o crescimento e o desenvolvimento, ferramentas indispensáveis para que possamos desenvolver o potencial pleno de nossas crianças e suas famílias! No primeiro número do Pediatrics em 1923 Anderson Aldrich escreveu “Para enfrentar os desafios do futuro, as crianças que estão crescendo necessitarão de toda a orientação que os educadores lhes poderão dar; toda a estabilidade emocional a família e os profissionais da área da saúde poderão prover; e toda “stamina” que encontramos na nutrição científica. Não seria o estado de arte da ciência se todas essas forças pudessem trabalhar de maneira harmônica para oferecer às crianças a melhor oportunidade de desenvolver-se? Esta correlação é o desafio do futuro!
Dentro deste contexto, a missão do Departamento de Pediatria do Desenvolvimento e Comportamento não é a de ensinar psicopatologia e sim de trabalhar na promoção da saúde global da criança, suprir as necessidades de conhecimento do pediatra geral nessa área e promover capacitação frente às questões de desenvolvimento que 80 anos depois ainda é o desafio do futuro.
*Dr. Ricardo Halpern é presidente do Departamento Científico de Pediatria do Desenvolvimento e Comportamento da SBP
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