Em artigo, secretário do Departamento de Genética da SBP contesta teste pré-nupcial proposto pelo Ministério da Saúde

O secretário do Departamento Científico (DC) de Genética da Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP), dr. Salmo Raskin, fez críticas ao novo projeto do Ministério da Saúde (MS), que visa oferecer pelo Sistema Único de Saúde (SUS) o teste pré-nupcial para detecção do percentual de risco de um casal gerar filhos com alguma doença rara. Em artigo publicado na última edição da revista Veja, o especialista levantou questionamentos sobre o grau de prioridade da iniciativa e, principalmente, sua viabilidade operacional.

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De acordo com o dr. Salmo Raskin, inúmeros aspectos devem ser levados em conta no debate sobre a implementação do programa. Em um país com a dimensão populacional do Brasil, apenas o rastreamento do chamado “grupo de risco” – casais com consanguinidade ou histórico familiar de doença genética – envolveria uma amostra extremamente ampla de indivíduos.

Atualmente, o número de profissionais brasileiros habilitados para realizar o acompanhamento genético de forma adequada corresponde a cerca de 400 especialistas. Além disso, a maioria deles está concentrada nas regiões Sul e Sudeste.

“O profissional deve conhecer cada uma das doenças contidas no teste, incluindo a história natural da doença, suas consequências clínicas, as opções de tratamento, o prognóstico, a expectativa de vida e a qualidade de vida dos afetados. Qual seria a logística necessária para transportar milhares de pessoas às capitais onde há geneticistas qualificados? ”, questionou o dr. Salmo no artigo.

ALTO CUSTO - As estimativas iniciais do programa preveem um custo aproximado de 12 mil reais por casal, totalizando gastos que podem chegar a mais de 2 bilhões por ano. Apesar da medida tentar reduzir a incidência de doenças raras, a iniciativa não seria uma solução definitiva para o problema, visto que o teste é apenas uma ferramenta de auxílio para a casal que deseja ter um filho.

Princípios éticos e legais impedem a interferência do Estado na escolha do casal, mesmo quando evidenciado o risco de a criança nascer com alguma doença genética. No Brasil, a interrupção da gestação por causa de doença é proibida, a não ser em casos de anencefalia.

“Quais alternativas concretas o País poderia oferecer a um casal do grupo de risco? A utilização de técnicas de reprodução assistida, como a doação de gametas, de embriões ou a fertilização in vitro não estão disponíveis no SUS nem na Saúde Suplementar. A única estratégia possível seria respeitar a autonomia e direitos individuais dos casais e não direcionar as decisões a serem tomadas”, enfatizou ele.

FALTA DE ASSISTÊNCIA – Segundo o secretário do DC de Genética, existem outras prioridades com possibilidade real de execução que poderiam entrar em pauta, uma vez que os cuidados médicos e desenvolvimento de terapias para doenças raras na rede pública ainda são extremamente escassos.

“Já que existem recursos, melhor seria empregar estes recursos para fazer sair do papel a portaria 199/2014 – Política Nacional de Atenção Integral às Pessoas com Doenças Raras –, e atender milhões de pessoas que necessitam de aconselhamento genético, habilitando os poucos centros já existentes e criando cerca de 100 novos centros de referência em doença genética no interior do Brasil”, sugeriu o dr. Salmo Raskin.

O especialista ressaltou que sem a implementação prática dos princípios contidos nesta portaria, não há como iniciar um programa de aconselhamento genético para todos os cidadãos brasileiros. “Sem a perícia de profissionais especialmente treinados, a implantação de testes genéticos para rastreamento de casais com risco aumentado de gerar filhos com doenças genéticas hereditárias pode ser algo catastrófico, especialmente para a população mais carente e desinformada”, alertou.