Em parceria com pesquisadores de Oxford, pediatras brasileiras desenvolvem estudo sobre os efeitos da COVID-19 na gravidez

 A presidente do Departamento Científico de Neonatologia da Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP), dra. Maria Albertina Santiago Rego, e a presidente da Sociedade de Pediatria e Puericultura do Maranhão (SPPMA), dra. Marynea Vale, foram relatoras de estudo publicado recentemente no periódico JAMA Pediatrics, intitulado “Maternal and Neonatal Morbidity and Mortality Among Pregnant Women With and Without COVID-19 Infection: The INTERCOVID Multinational Cohort Study” (Morbidade e mortalidade materna e neonatal entre mulheres grávidas com e sem infecção por COVID-19: o estudo de coorte multinacional INTERCOVID, em tradução literal). O objetivo da pesquisa foi avaliar os efeitos da COVID-19 na saúde materna e perinatal.

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O INTERCOVID foi concebido pelo grupo internacional multicêntrico de pesquisadores dos estudos Intergrowth-21st, coordenado pelo Professor José Villar do Nuffield Department of Women’s & Reproductive Health (NDWRH), da Universidade de Oxford, na Inglaterra.

“A infraestrutura existente do INTERGROWTH-21st permitiu que pesquisadores em todo o mundo implementassem esta iniciativa urgente em tempo recorde, e o compromisso de todos com o estudo foi notável. Examinar os efeitos de longo prazo nas mães e crianças é o próximo desafio”, comenta dr. José Villar. “Pela primeira vez, os resultados do estudo INTERCOVID na revista JAMA Pediatrics, fornece informações comparativas detalhadas sobre os efeitos do COVID-19 na gravidez”, ressalta um dos pesquisadores da Universidade de Oxford, Aris Papageorghiou.

A pesquisa ocorreu entre os meses de março e outubro de 2020 e contou com participação de mais de 100 pesquisadores de 43 instituições prestadoras de assistência perinatal em 18 países: Argentina, Brasil, Egito, França, Gana, Índia, Indonésia, Itália, Japão, México, Nigéria, Macedônia do Norte, Paquistão, Rússia, Espanha, Suíça, Reino Unido e Estados Unidos.

METODOLOGIA – No Brasil, o estudo foi desenvolvido pela equipe de pesquisadoras do Hospital Universitário da Universidade Federal do Maranhão (UFMA), em São Luís, composta pelas dras. Marynea Vale e Patrícia Marques; e pelas enfermeiras Ana Claudia Garcia e Rebeca Arrais. A supervisão do estudo ficou a cargo da dra. Maria Albertina Santiago Rego, da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), em Belo Horizonte (MG).

O desenvolvimento do estudo foi realizado por meio de reuniões virtuais de alinhamento para a sua implementação, utilizando toda a experiência acumulada com o Integrowth-21st, incluindo os formulários de coleta de dados, agora com inclusão da COVID-19. Foram seguidos todos os trâmites recomendados dos Comitês de Ética em Pesquisa.

“O estudo é um dos maiores já publicados, desenvolvido em tempo real, conforme o momento epidemiológico da doença, e foi desencadeado pela ausência de respostas às perguntas fundamentais dos efeitos da infecção por SARS-CoV-2 sobre a saúde da materno-fetal e neonatal”, explica dra. Maria Albertina.

RESULTADOS – No artigo, os pesquisadores concluem que o risco para mães e crianças é maior do que se pensava no início da pandemia, e que as medidas prioritárias de saúde devem incluir mulheres grávidas. Quantificar os efeitos da COVID-19 na gravidez com dados robustos é importante para assegurar o melhor cuidado possível e que os recursos de saúde, como as vacinas, sejam alocados oportunamente.

Segundo os autores, as mulheres com COVID-19 durante a gravidez estavam em maior risco de complicações na gravidez, como parto prematuro e pré-eclâmpsia, demandando admissão em terapia intensiva com risco aumentado de morte. Os recém-nascidos de mulheres infectadas também estavam em maior risco de doenças graves e complicações, principalmente devido à prematuridade.

A professora dra. Maria Albertina destaca os resultados nos recém-nascidos: cerca de 10% dos recém-nascidos de mães com teste positivo para o SARS-CoV-2 também testou positivo para o vírus durante os primeiros dias pós-natal. "A boa notícia, no entanto, é que os riscos em mulheres infectadas sem sintomas e as mulheres não infectadas eram semelhantes”, comenta.

Dra. Marynea relata que houve poucas mortes maternas. Contudo, o risco de morrer durante a gravidez e no período pós-neonatal foi 22 vezes maior em mulheres com COVID-19 do que em mulheres grávidas não infectadas, mortes essas concentradas em regiões de poucos recursos prontamente disponíveis. “Resultado favorável muito im­portante foi a ausência de achados que vincule a transmissão da infecção pelo leite materno”, afirma.

Já a dra. Patrícia Marques observa que a amamentação não se associou à infecção, e que os resultados apontaram para uma possível associação do parto cesáreo a um risco aumentado de infecção no recém-nascido. “A informação deve ajudar as famílias, pois agora está claro que é necessário fazer tudo o que estiver alcance para evitar a infecção. Também fortalece o caso de oferecer vacinação às mulheres grávidas”, frisa.

Dra. Albertina explica que esses resultados podem ser norteadores de cuidados individuais, “e podem servir de subsídios técnicos e científicos para a definição de políticas públicas voltadas às gestantes e recém-nascidos nos grandes centros e nas regiões mais longínquas”.