Primeiro transplante de fígado e medula no Brasil conta com atuação de membro da SBP

Através do esforço coletivo e multidisciplinar, especialistas fizeram o primeiro transplante de fígado e medula no Brasil. Realizadas no Hospital Clínicas de Porto Alegre (HCPA) e cobertas pelo Sistema Único de Saúde (SUS), as cirurgias foram necessárias para tratar uma adolescente portadora de protoporfiria eritropoiética - tipo raro e geneticamente determinado de porfiria, que provoca complicações hepáticas graves. O procedimento contou a atuação da dra. Sandra Vieira, membro do Departamento Científico de Hepatologia da Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP) e coordenadora do Programa de Transplante Hepático Infantil do HCPA.

Acompanhada pelo hospital desde 2018, a paciente tinha queixas de dor abdominal generalizada de forte intensidade, associada à coloração amarelada da pele e conjuntivas, náuseas e urina avermelhada. “Segundo informava, esses episódios de dor abdominal eram recorrentes. Referia história de dor e edema de extremidades à luz solar, percebidas desde a primeira infância, o que nos fez pensar prontamente no diagnóstico”, conta dra. Sandra.

A protoporfiria eritropoiética é causada pela deficiência da enzima ferroquelatase - necessária para organismo formar um composto chamado heme, responsável por transportar oxigênio aos tecidos. A deficiência, explica dra Sandra, é provocada por uma mutação no gene que produz a enzima, o que faz com que ela funcione menos que o normal. 

“Não havendo a enzima, o metabolismo do heme é prejudicado levando ao acúmulo de protoporfirinas que são tóxicas para o fígado, podendo resultar no desenvolvimento progressivo de cirrose. O transplante de fígado resolve as complicações da cirrose, mas não o defeito genético, o qual só é possível com o transplante de medula”, conta.

No entanto, segundo a especialista, o transplante de medula requer um preparo muito intenso. Se ele é feito antes do transplante de fígado, o paciente pode não suportar o preparo. “O recomendado é transplantar primeiro o fígado e depois a medula. Porém, não pode ser muito tempo depois, porque há o risco do retorno da doença no fígado novo”, destaca.

Ela ressalta ainda que, por ser uma cirurgia inédita, o transplante de medula para esta condição clínica não está previsto na legislação e necessita de uma autorização especial do Ministério da Saúde. “O Sistema Nacional de Transplantes (SNT), em princípio, não autoriza a busca de doadores não aparentados. A paciente é filha única, a mãe também tem porfiria e o pai não foi compatível. Além disso, a doença do fígado estava progredindo muito rapidamente”.

O quadro da paciente mobilizou os serviços de hematologia, bioética, genética médica e o programa de transplante hepático infantil do HCPA para listar a paciente para o transplante de fígado; preparar o bloco cirúrgico para a realização do procedimento; entrar com pedido judicial de autorização para realização da busca do doador e aguardar um doador compatível. Para encaminhar todas essas etapas, era necessário o diagnóstico molecular confirmatório, realizado fora do país com o auxílio da equipe de genética médica. 

Mesmo com os desafios, os procedimentos foram realizados com sucesso.  O transplante de fígado ocorreu em novembro de 2019. Após o período de recuperação, o de medula foi realizado em março de 2021. “Realizamos o transplante hepático e ficamos monitorando a paciente. Felizmente, o doador compatível apareceu a tempo do fígado implantado não ser atingido pela porfiria. A recuperação tem sido excelente e ela já está fora do hospital.”